Ioannes Pompeu lectori suo salutem plurimam dicit.
Si vales, bene est: valeo.
“É preciso entregar-se de todo o coração para que a verdade se entregue. A verdade só está a serviço de seus escravos.” (A Vida Intelectual, A.D. Sertillanges)
“Logo, o princípio do aprendizado está na leitura, e sua consumação, na meditação, a qual torna mais agradável a vida de quem aprendeu a amá-la com máxima familiaridade…” (Didascalion, Hugo de São Vítor)
Desde o meu retorno à Igreja Católica entre 2018 e 2019, nutri grande admiração pelo modo de servir a Deus adoto pela Ordem dos Dominicanos.
Esse modus operandi pode ser resumido na frase: contemplare et contemplata aliis tradere [contemplar e transmitir aos outros os frutos da contemplação].
Como alcançar essa contemplação? Pela leitura, que já discutimos nas cartas anteriores, e pela meditação, tema desta carta.
1. Meditação: O Caminho à Sabedoria
Ler é como percorrer um caminho com o auxílio de um guia; meditar, por sua vez, é refazer o trajeto por conta própria. Apenas quando estamos livres do esforço inicial de seguir instruções podemos notar a riqueza dos detalhes – paisagens, edifícios e pessoas.
No plano intelectual, meditar significa enfrentar as perguntas fundamentais que aprofundam o conhecimento. Hugo de São Vítor define a meditação como uma “reflexão persistente, que investiga prudentemente a causa, a origem, o modo de ser e a utilidade de cada coisa”.
2. Somos mais vacas que anjos
Antes de avançar, eu gostaria de te lembrar de algo a fim de que evites um erro grave advindo da tua fome de conhecimento: nós não somos anjos tampouco estamos na matrix.
O nosso modo de conhecer, portanto, não é a captação imediata da essência das coisas tampouco a recepção direta de informações advindas de um computador.
Nesse quesito, somos mais parecidos com as vacas: devemos ruminar o conhecimento que recebemos; considerá-lo várias e várias vezes segundo algumas questões a serem respondidas.
Ao longo da leitura, é importante tirarmos momentos para repetir com as nossas próprias palavras os argumentos (nas ciências) ou as cenas (na literatura) ou os preceitos (nas demais artes).
Ao fecharmos o livro, porém, a operação intelectual deve continuar, perguntando mais e mais sobre o que aprendemos.
Ler livros não é como estar diante de uma televisão absorvendo milhares de imagens, mas mais como aquele que tenta projetar todas as cenas por meio da imaginação.
Na tradição ocidental, a palavra meditação nunca significou esvaziar a mente, como defende-se hoje, mas sim pô-la para funcionar maximamente. E com quais perguntas devemos fazer isso? Com todas as que forem convenientes.
Hugo de São Vítor e Tomás de Aquino nos propõem algumas, as quais servem de critério objetivo para a nossa investigação.
3. Questões Fundamentais
Embora não esteja tão claro no Didascalion, penso que o significado de cada termo é o seguinte.
Questionar-se sobre a causa significa investigar o porquê de algo ser como é; a origem diz respeito ao que a fez ser como é; o modo, quanto às propriedades; e a utilidade acerca do papel de condutor a um determinado fim que aquele objeto conhecido tem.
Gostaria de compartilhar contigo a possibilidade de discutirmos essas ideias em aulas com outros alunos no mês de janeiro, para mais informações:
Com a influência de Aristóteles, São Tomás nos apresenta aquelas questões em uma ordem mais clara: investigar a existência (se é), a essência (o que é), as propriedades (de que modo é) e as causas (por que é) (v. Comentário aos Analíticos Posteriores, L. II, lição 1.). Nesse ponto, o aquinate afirma que “a essas quatro questões podemos reduzir tudo o que é investigável ou cognoscível”.
Os instrumentos para respondermos a cada uma desses questionamentos são dados pela lógica, a qual será estudada a partir de fevereiro no mencionado curso.
Deves, portanto, começar uma investigação certificando-te da existência do objeto a ser investigado → Existência
Em seguida, deves defini-lo segundo o que de mais distintivo podes conhecer sobre ele (e.g. animal racional) → Essência
Tendo uma definição, deves buscar quais são as consequências dela se seguem sobre o objeto investigado (e.g. ser sociável, ser capaz de fala, ser capaz de senso de humor etc.) → Propriedades
Por fim, enquanto cume da investigação, deves elencar as razões que justificam as propriedades e a essência, ou seja, as quatro causas - material, formal, eficiente e final → Causas
4. Servir por meio dos estudos
Aproximando Hugo e Tomás, temos um guia acerca da meditação necessária ao perfazimento da investigação intelectual. Ao meditares, também poderás contemplar os resultados alcançados e, voltando àquele lema dos dominicanos, poderás repassar de mão em mão o que viste.
Os frutos de nossos estudos, portanto, precisam ser comunicados, tornados comuns.
Vê que maravilha essa visão das obras intelectuais: somos chamados a alcançar o cume dos estudos e, diante disso, conduzir o próximo ao mesmo ponto; não foi outro o conselho de Platão com a grande alegoria da caverna da República.
Entre as discussões socráticas relatadas por Platão e as questões disputadas de Aquino há muto mais em comum do que parece.
E talvez o que mais pode nos incentivar aos estudos com ambos é enxergar todo o processo exposto nas últimas cartas como um modo de servir.
Deixo-te, para finalizar, as palavras finais de Sertillanges:
“O verdadeiro intelectual não deve temer a esterilidade, a inutilidade; basta que uma árvore seja uma árvore para dar sementes. Os resultados às vezes tardam, mas não falham; a alma dá uma paga; os acontecimentos dão uma paga. […] Deem tudo o que houver nos senhores, e se forem fiéis a si próprios, se o forem até o fim, estejam certos de chegar à perfeição de sua obra - a sua, digo eu, aquela que Deus espera dos senhores e que vem em resposta a sua graças, interiores e exteriores. […] Decididos a pagar, anotem no registro de seu coração, hoje mesmo, se já não fizeram isso, sua firme resolução. […] Se fizeres isso, produzirás frutos úteis e alcançarás o que desejas”.
In proximum,
Vale.